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Amor romântico x romantismo: entre a pratica e a idealização

Você já se sentiu culpada por “não ser romântica o suficiente”? Ou já acreditou que aguentar sofrimento era prova de amor? Neste texto, vamos conversar sobre o que é, de fato, amor romântico, por que ele é diferente de romantismo e como essa confusão pode estar alimentando relações cheias de expectativa, culpa e frustração.

12/9/20259 min ler

O que é amor romântico – e por que ele é diferente de romantismo?

Quando falamos de amor, muitas vezes estamos falando, sem perceber, de amor romântico. A ideia da “metade da laranja”, do “felizes para sempre”, do casal que se completa e supera tudo em nome da paixão… tudo isso faz parte de um modelo de amar que foi sendo construído socialmente, não de algo que simplesmente “nasceu com a gente”.

Ao mesmo tempo, no consultório e nas conversas do dia a dia, escutamos frases como:

  • “Ele não é romântico…”

  • “Ela queria alguém mais romântico…”

  • “Depois de um tempo de relacionamento, o romantismo acaba…”

Aqui aparece uma confusão importante: amor romântico não é a mesma coisa que romantismo.

  • Amor romântico é um modelo de amor, um jeito de imaginar e organizar a vida amorosa.

  • Romantismo, no cotidiano, é um jeito de expressar afeto: gestos, palavras, surpresas, cuidado.

Um casal pode viver muito romantismo sem estar preso ao ideal do amor romântico. E pode, ao contrário, estar completamente capturado pela lógica do amor romântico e quase não praticar romantismo no dia a dia.

Este texto quer te ajudar a:

  • entender o que chamamos de amor romântico;

  • diferenciar isso do romantismo cotidiano;

  • reconhecer como o ideal do amor romântico pode gerar sofrimento;

  • pensar o que seria um amor menos idealizado e mais maduro, à luz da psicologia e da psicanálise.

1. Amor romântico: um modelo, não um destino

Do ponto de vista da sociologia, o amor romântico é um modo historicamente construído de viver o amor. modelo histórico e cultural de amar. Autores como Eva Illouz, Anthony Giddens e Zygmunt Bauman mostram como o amor romântico é atravessado por capitalismo, individualização, consumo e mudanças nas relações de gênero.

De forma simples, podemos dizer que o amor romântico se apoia em alguns pilares:

  1. Ideal de completude
    A fantasia de que existe “a pessoa certa” que irá, finalmente, completar nossa sensação de falta.
    É a lógica da alma gêmea, da tampa da panela, da “metade da laranja”.

  2. Exclusividade e centralidade
    A relação amorosa passa a ocupar um lugar central na vida. O verdadeiro amor seria exclusivo, intenso, acima de qualquer outro vínculo.

  3. Fusão
    A ideia de que o casal vira “um só”:

    • “A gente é um só coração.”

    • “Sem você eu não sou nada.”
      Essa fusão costuma ser idealizada como prova máxima de amor.

  4. Sacrifício
    Sofrer pelo outro e abrir mão de si é, muitas vezes, visto como sinal de amor verdadeiro:

    • “Se eu aguento tudo isso, é porque eu amo.”

    • “Ele largou tudo por mim.”

  5. Promessa de eternidade
    O amor “de verdade” seria aquele que dura para sempre. Se acaba, surge a dúvida: “Será que era amor mesmo?”.

A socióloga Eva Illouz mostra como esse ideal de amor é alimentado pela cultura de massa – filmes, músicas, publicidade, redes sociais –, criando o que ela chama de uma espécie de “utopia romântica”, um imaginário coletivo sobre como o amor deveria ser.

Ou seja: o amor romântico não é um sentimento espontâneo e sim um roteiro cultural que aprendemos e tentamos repetir.

2. O que é romantismo, então?

Já o romantismo, na linguagem do dia a dia, é algo mais concreto e observável:

  • bilhetes carinhosos, mensagens ao longo do dia;

  • surpresas, presentes simbólicos, flores, chocolates;

  • jantares especiais, viagens em casal, playlists personalizadas;

  • demonstrações de afeto em público e em privado.

Quando alguém diz “ele não é romântico” geralmente não está falando de teoria do amor, mas da forma de expressão afetiva:

  • a pessoa não fala “eu te amo”;

  • não elogia, não demonstra admiração;

  • não planeja momentos a dois;

  • não tem gestos de cuidado que façam o outro se sentir especial.

É importante perceber:

  • Romantismo é comportamento, não teoria.

  • Ele se traduz em gestos, palavras, tempo dedicado, atenção.

  • Pode existir romantismo em relações que não seguem o ideal do amor romântico (por exemplo, relações mais horizontais, menos possessivas, ou mesmo não monogâmicas).

  • E pode faltar romantismo em relações completamente atravessadas pelo ideal romântico (ciúme, fusão, exclusividade, drama), mas com pouco cuidado concreto no cotidiano.

Quando misturamos as duas coisas – amor romântico e romantismo – corremos o risco de medir o valor da relação apenas pelos gestos visíveis (flores, posts, declarações) ou apenas pela intensidade dramática (“ninguém nunca me amou assim”), sem olhar para a qualidade real do vínculo.

3. O olhar da psicanálise: idealização, falta e repetição

A psicanálise não fala de amor romântico a partir de estatísticas, mas desde a experiência íntima de cada sujeito. Ainda assim, alguns pontos são centrais para entender por que esse modelo pega tão forte na nossa pele.

3.1. A ideia de falta

Para a psicanálise, ninguém é completo. Sempre existirá algo de incompleto em nós, um resto de desejo, uma falta estrutural.

O amor romântico costuma prometer exatamente o contrário: a fantasia de que, encontrando “a pessoa certa”, essa falta se apazigua. A frase “sem você eu não sou nada” aparece como se fosse bonita, mas revela algo perigoso: a ideia de que o outro tem a função de nos completar.

Na prática, isso pode produzir:

  • medo intenso de perder a relação;

  • dificuldade de colocar limites, com medo de ser abandonado;

  • tolerância a situações de desrespeito em nome do “amor”.

3.2. Idealização

Idealizar é colocar o outro em um lugar quase perfeito. No início de muitos relacionamentos marcados pelo amor romântico, é comum:

  • minimizar defeitos;

  • racionalizar sinais de alerta;

  • acreditar que “com amor ele/ela muda”.

Essa idealização é um mecanismo psíquico: projetamos no outro nossas fantasias de salvação, completude, proteção, reparação de feridas antigas. O problema é que nenhum ser humano real consegue sustentar esse lugar por muito tempo. Quando a idealização cai, é comum ouvir:

  • “Você mudou.”

  • “Você não é mais aquela pessoa do começo.”

Na verdade, muitas vezes, é o olhar que mudou: a fantasia perdeu força e o sujeito real começou a aparecer.

3.3. Repetição de roteiros antigos

Outro ponto importante: não amamos “no vazio”. Amamos a partir da nossa história.

  • Quem cresceu em um ambiente em que amor vinha misturado com humilhação, pode estranhar relações estáveis e respeitosas, e se sentir “vivo” apenas em relações turbulentas.

  • Quem aprendeu, na infância, que precisa se sacrificar para ser amado, tem mais chance de entrar em relações onde se anula, repetindo esse padrão.

O ideal de amor romântico – intenso, ciumento, dramático, cheio de altos e baixos – encaixa como uma luva em muitas dessas histórias de repetição. Em termos psicanalíticos, o sujeito tenta, sem saber, reencenar velhos roteiros afetivos, esperando um desfecho diferente.

4. A contribuição da sociologia: amor, consumo e liquidez

Enquanto a psicanálise olha para a história interna, autores da sociologia olham para o contexto social em que esse amor acontece.

4.1. Eva Illouz e a “utopia romântica”

Eva Illouz analisa como o amor romântico foi se transformando na modernidade e como ele se mistura com o capitalismo e o consumo. Ela mostra que encontros amorosos são, muitas vezes, organizados em torno de práticas de consumo – restaurantes, viagens, presentes – e como a cultura de massa produz imagens e roteiros de amor que acabamos tentando imitar.

Em outro momento de sua obra, Illouz discute também por que amar hoje pode doer tanto, explorando o lugar da liberdade, da escolha, das rejeições e ghostings no mundo

4.2. Giddens e a “transformação da intimidade”

Anthony Giddens fala da emergência de um novo tipo de laço que ele chama de “relacionamento puro”: uma relação que se sustenta pela satisfação emocional mútua, pela negociação e pela igualdade, e não apenas por obrigação social ou financeira.

Nesse contexto, o amor romântico continua importante, mas convive com novas expectativas:

  • mais igualdade entre gêneros;

  • mais foco na realização pessoal;

  • mais possibilidade (e facilidade) de romper uma relação que não satisfaz.

4.3. Bauman e o “amor líquido”

Zygmunt Bauman, por sua vez, fala de “amor líquido”, uma metáfora para laços afetivos mais frágeis, menos duradouros e mais marcados pela lógica do descarte.

Se, por um lado, o amor romântico prometia a eternidade, por outro, vivemos hoje numa sociedade em que:

  • é fácil terminar, bloquear, desaparecer;

  • há muitas possibilidades de encontro (aplicativos, redes sociais);

  • as pessoas se veem como “projetos em constante melhoria”, avaliando relações quase como produtos.

Essa combinação – ideal de amor intenso + laços líquidos – pode gerar muita dor: esperamos do outro completude e cura, mas o vínculo é frágil, as expectativas não conversam, e as frustrações são rápidas.

5. Por que confundir amor romântico com romantismo gera sofrimento?

Quando não conseguimos diferenciar essas duas dimensões, alguns problemas aparecem.

5.1. Cobrar gestos como prova de amor total

Se eu acredito que:

“Quem me ama de verdade tem que ser sempre romântico.”

posso interpretar a falta de flores, mensagens ou declarações públicas como falta de amor, sem olhar para outros sinais:

  • o cuidado no dia a dia;

  • a presença quando você está mal;

  • o apoio aos seus projetos;

  • o respeito aos seus limites.

Por outro lado, posso ser seduzido por grandes gestos românticos – viagens, presentes, declarações exageradas – e ignorar sinais de desrespeito, controle ou imaturidade afetiva.

5.2. Desvalorizar o cotidiano em nome do drama

Outra armadilha é confundir amor com intensidade e emoção forte o tempo todo:

  • “Se não tem ciúme, não é amor.”

  • “Se não tem briga e reconciliação, algo está errado.”

Assim, relações mais estáveis, com menos drama, podem ser lidas como “sem graça” ou “sem paixão”, embora, na prática, ofereçam mais cuidado, respeito e espaço para ambos.

6. Amor romântico x amor maduro

A partir do que discutimos, podemos pensar numa diferença importante entre um amor centrado no ideal romântico e um amor mais maduro.

6.1. Amor romântico (idealizado)

  • Busca fusão e completude.

  • Tem dificuldade com limites e frustrações.

  • Tende a idealizar e, depois, desidealizar o outro de forma brusca.

  • Usa muito a linguagem do “para sempre” e do “nunca ninguém te amou assim”.

6.2. Amor maduro (menos idealizado)

  • Reconhece que ambos são sujeitos separados, com vida própria.

  • Aceita que haverá frustrações, conflitos e conversas difíceis.

  • Não espera que o outro cure todas as feridas internas.

  • Não mede o amor apenas por gestos românticos, mas pelo conjunto: respeito, presença, cuidado, reciprocidade, responsabilidade afetiva.

Isso não significa “matar o romantismo”. Pelo contrário: quando o amor não precisa provar nada para ninguém, o romantismo pode surgir de forma mais leve e sincera – um café na cama, uma mensagem carinhosa, um elogio no meio do dia, uma escuta verdadeira.

7. E o que podemos fazer com isso na nossa vida amorosa?

Algumas pistas para levar dessa reflexão para a prática:

  1. Questionar os roteiros que você aprendeu

    • Que histórias de amor te formaram?

    • Que frases você ouviu sobre o que é amar?

    • Você está tentando viver um amor real ou encenar um roteiro?

  2. Diferenciar romantismo de respeito

    • Romantismo sem respeito é performance.

    • Respeito sem nenhum gesto de carinho pode virar convivência fria.
      O desafio é encontrar relações onde exista cuidado concreto e espaço para o afeto ser demonstrado, mesmo que não seja do jeito dos filmes.

  3. Conversar sobre expectativas em vez de testar o outro
    Em vez de esperar que o outro adivinhe o que você considera romântico, você pode dizer:

    • “Eu me sinto muito amada quando você faz…”

    • “Uma coisa simples que me faria bem é…”

  4. Observar quando o ideal romântico está te aprisionando

    • Você está ficando numa relação apenas pelo medo de “fracassar”?

    • Você está se anulando em nome do “amor”?

    • Você está usando a ideia de “alma gêmea” para justificar controle, ciúme ou invasão de privacidade?

Quando essas questões aparecem, pode ser hora de procurar um espaço de elaboração – terapia individual, de casal ou outros contextos de escuta – para pensar que tipo de amor você deseja alimentar e que tipo de amor você já não pode mais sustentar.

8. Conclusão: entre a fantasia e o possível

O amor romântico não é “o vilão” da história. Ele traduz o desejo humano de conexão profunda, de ser escolhido, de compartilhar a vida com alguém. O problema é quando ele se transforma em um ideal rígido que exige a nossa própria anulação.

Romantismo, por sua vez, não é superficialidade: é a linguagem concreta do cuidado, aquilo que transforma o “eu te amo” em experiência sentida. Mas, sozinho, também não basta: sem responsabilidade afetiva, respeito e escuta, gestos românticos viram apenas uma embalagem bonita para relações vazias.

Talvez o caminho esteja em reconhecer o encanto do amor romântico, sem ser comandado por ele, e em recuperar um romantismo mais verdadeiro, feito de pequenos gestos consistentes, e não apenas de grandes cenas.

Um amor que possa sair do ideal e entrar na vida real.
Um amor que possa sair do conto de fadas e chegar ao divã – não para ser destruído, mas para ser compreendido, reposicionado, ressignificado.

Referências bibliográficas (sugestões para aprofundar o tema)

  • BAUMAN, Zygmunt. Liquid Love: On the Frailty of Human Bonds. Cambridge: Polity Press, 2003.

  • GIDDENS, Anthony. The Transformation of Intimacy: Sexuality, Love and Eroticism in Modern Societies. Cambridge: Polity Press, 1992.

  • ILLOUZ, Eva. Consuming the Romantic Utopia: Love and the Cultural Contradictions of Capitalism. Berkeley: University of California Press, 1997.

  • ILLOUZ, Eva. Why Love Hurts: A Sociological Explanation. Cambridge: Polity Press, 2012.

  • ILLOUZ, Eva. The End of Love: A Sociology of Negative Relations. New York: Oxford University Press,

  • COSTA, Sérgio. “Easy loving: romanticism and consumerism in late modernity”. Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, 2005.