A baixa do desejo sexual feminino: por que afeta tantas mulheres?


Você já ouviu alguém dizer que “mulher perde o desejo depois do casamento”? Ou que “a libido feminina é uma incógnita”? Esses clichês podem parecer exageros, mas refletem uma realidade preocupante: de acordo com estudos internacionais, cerca de 30% das mulheres no mundo relatam uma diminuição persistente do desejo sexual. Não se trata de um capricho ou de uma fase passageira. Em muitos casos, estamos diante de um quadro que afeta profundamente a autoestima, os relacionamentos e a saúde mental dessas mulheres.
Mas afinal, por que tantas mulheres se sentem assim? Vamos mergulhar nas causas — que são múltiplas e complexas — e nas possibilidades de tratamento.
O que é a baixa do desejo sexual feminino?
Antes de tudo, é importante esclarecer que a “baixa do desejo” não é simplesmente “não querer transar”. O desejo sexual não é linear e varia ao longo da vida, mas quando a falta de interesse por sexo se torna persistente, causa sofrimento e afeta a qualidade de vida ou o relacionamento, é hora de investigar.
A disfunção do desejo sexual hipoativo foi descrita no DSM-IV e permanece como base para o que hoje o DSM-5(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª ed.) reformulou como Transtorno do Interesse/Excitação Sexual Feminino. Os critérios incluem:
Redução ou ausência de interesse sexual.
Pouca ou nenhuma fantasia sexual.
Redução de excitação durante a atividade sexual.
Sofrimento subjetivo com essa situação.
Importante: não se trata de assexualidade (uma orientação válida e legítima), mas de uma mudança que gera desconforto.
Um dado que chama atenção: 30% das mulheres no mundo
O número aparece em diversas pesquisas. Uma das mais relevantes é o estudo publicado no Archives of Internal Medicine(2008), que apontou que 43% das mulheres norte-americanas relataram algum tipo de disfunção sexual, sendo o desejo hipoativo a queixa mais comum. Já no Brasil, uma pesquisa da FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) de 2016 encontrou índices próximos, variando entre 30% e 35% das brasileiras afetadas por uma diminuição significativa da libido.
Isso não significa que a mulher "não ama mais seu parceiro" ou "deixou de ser mulher". Significa que há algo acontecendo — e precisa ser compreendido sem julgamento.
Por que o desejo sexual feminino diminui?
A resposta não é simples, porque o desejo é um fenômeno biopsicossocial: envolve corpo, mente e contexto.
1. Fatores hormonais e fisiológicos
Quedas hormonais, como na menopausa (queda de estrogênio e testosterona).
Pós-parto e amamentação, com altos níveis de prolactina.
Uso de anticoncepcionais hormonais.
Problemas de tireoide ou outras condições endócrinas.
Dor durante a relação (dispareunia) ou vaginismo.
2. Fatores emocionais e psicológicos
Depressão, ansiedade e estresse crônico impactam diretamente o sistema límbico, região associada ao desejo.
Históricos de abuso sexual ou violência de gênero.
Baixa autoestima ou imagem corporal negativa.
Sentimentos de culpa, repressão sexual, moralismo.
Freud já alertava que a repressão da sexualidade está na base de muitos sofrimentos psíquicos. E essa repressão ainda pesa muito mais sobre o corpo feminino do que sobre o masculino.
3. Fatores relacionais
Conflitos conjugais.
Rotina e falta de novidade na vida a dois.
Comunicação precária sobre desejos e limites.
Carga mental desproporcional (mulheres sobrecarregadas com filhos, trabalho e casa).
Falta de intimidade emocional — e não apenas física.
Como aponta a psicóloga canadense Esther Perel, "o desejo não morre com a convivência, mas ele exige espaço, mistério e liberdade". Muitas mulheres não têm esse espaço.
4. Fatores culturais e sociais
Mulheres ainda são ensinadas a “servir” no sexo, não a sentir prazer.
Falta de educação sexual.
Tabus em torno da masturbação e do prazer feminino.
Normas rígidas de gênero que tolhem a expressão sexual.
Tratamentos e caminhos possíveis
A boa notícia é que, na maioria dos casos, há solução. E essa solução passa por escuta, acolhimento e, muitas vezes, por um trabalho terapêutico profundo.
1. Terapia sexual
A psicoterapia com foco em sexualidade ajuda a identificar os bloqueios individuais e de casal. Com frequência, é na fala que muitas mulheres reencontram seu desejo.
2. Terapia de casal
Quando o desejo desaparece apenas dentro da relação, vale entender a dinâmica conjugal. Muitas vezes, a falta de desejo é um sintoma de algo não dito.
3. Tratamento médico
Avaliação ginecológica e endocrinológica.
Ajustes hormonais, quando indicados (como o uso de testosterona em casos específicos).
Lubrificantes e produtos que auxiliem na excitação.
4. Mudança no estilo de vida
Exercícios físicos regulares.
Alimentação equilibrada.
Redução do estresse.
Priorizar o autocuidado e o prazer individual (como a masturbação sem culpa).
5. Educação sexual
Conhecimento é poder. Mulheres que conhecem seu corpo, seus ciclos e seus desejos tendem a se sentir mais confiantes e livres.
O desejo é como uma chama
E chama precisa de combustível, oxigênio e proteção contra ventos fortes. O desejo feminino é sensível, mas não frágil. Ele se adapta, muda de ritmo, mas não desaparece sem motivo.
Se você sente que perdeu o desejo, não está sozinha. E não precisa se acostumar com isso. Buscar ajuda é um gesto de coragem, não de fraqueza.
Como diz a psicanalista francesa Marie-Hélène Brousse, “o desejo feminino não se esgota no desejo do outro, mas nasce do encontro com seu próprio corpo, sua linguagem e seus limites”.
Referências bibliográficas:
American Psychiatric Association. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
Laumann, E. O. et al. (1999). Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA, 281(6), 537-544.
Shifren, J. L., et al. (2008). Sexual problems and distress in United States women: prevalence and correlates. Archives of Internal Medicine, 168(13), 1363–1371.
Perel, Esther (2006). Inteligência Erótica. Rocco.
Brousse, Marie-Hélène (2007). O feminino entre corpo e linguagem. Revista Curinga.
FEBRASGO. Disfunções sexuais femininas. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/
